
O QUE FAZER DIANTE DA PERDA DE APRENDIZAGEM?
Boletim 63 - junho de 2021
Um número crescente de estudos recentes tem confirmado um cenário infelizmente já previsto: apesar de todos os esforços das redes e dos educadores para manter as atividades escolares durante a pandemia, as perdas de aprendizagem serão significativas. O mais recente deles (“Perda de aprendizagem na pandemia“) foi divulgado agora no início de junho pelo Instituto Unibanco e pelo Insper. De autoria de Ricardo Paes de Barros e Laura Machado, ele teve como foco o Ensino Médio.
Uma vez que o Brasil ainda não realizou uma avaliação diagnóstica de abrangência nacional, os autores projetaram possíveis efeitos do fechamento de escolas e do ensino remoto. Os resultados dizem respeito aos alunos matriculados atualmente no 3º ano do Ensino Médio − aqueles que estavam no 2º ano em 2020, quando as escolas suspenderam as aulas presenciais em função da pandemia. Segundo o estudo, esses estudantes provavelmente começaram o ano letivo de 2021 com defasagem equivalente a dez pontos em Matemática e a nove pontos em Língua Portuguesa na escala do Saeb (Sistema de Avalição da Educação Básica). Para se ter ideia do que isso representa, basta lembrar que a nota dos alunos brasileiros na escala do Saeb, antes da pandemia, em média, subia um total de 15 pontos em Matemática e de 20 pontos em Língua Portuguesa ao longo de todo o Ensino Médio.

O estudo projeta ainda que se a realidade de 2020 for mantida, isto é, aulas presenciais suspensas e ensino remoto com pouco engajamento (atingindo pouco mais de um terço dos estudantes), a defasagem dos atuais concluintes do Ensino Médio poderá totalizar 20 pontos em Matemática e 16 pontos em Língua Portuguesa ao final do ano letivo de 2021.
Outro estudo que trabalhou com estimativas de perda foi realizado pelo Centro de Aprendizagem em Avaliação e Resultados para o Brasil e a África Lusófona, vinculado à Fundação Getúlio Vargas. O trabalho projetou que os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) podem ter regredido, em média, até quatro anos em leitura e Língua Portuguesa, tendo em vista o desempenho no Saeb.
Outras duas pesquisas envolvendo a rede estadual de São Paulo já haviam revelado diminuição da aprendizagem depois do início da pandemia. No início do atual ano letivo, entre fevereiro e março, o Centro de Políticas Públicas e Avaliação da Educação (CAEd) da Universidade Federal de Juiz de Fora (MG) aplicou testes de Matemática e Língua Portuguesa a uma amostra de alunos do 5º e do 9º ano do Ensino Fundamental e do 3º ano do Ensino Médio em São Paulo. As questões seguiram o padrão da escala Saeb, o que permitiu comparação com as provas da última edição do próprio Saeb, em 2019. Houve piora nos três grupos avaliados, sendo que o resultado mais preocupante foi verificado nos anos iniciais do Ensino Fundamental (queda de 46 pontos em Matemática, o equivalente a uma perda de aprendizagem de 19%; e de 29 em Língua Portuguesa (- 13%).
ATENÇÃO A CONTEÚDOS PRÉ-PANDEMIA
Um dos alertas que esses estudos trazem é de que será preciso em muitos casos trabalhar na recuperação de conteúdos que já haviam sido dados antes da pandemia.
Uma das hipóteses analisadas pela equipe pedagógica da Secretaria é que os conhecimentos de Matemática adquiridos até o 3º ano do Ensino Fundamental precisam ser consolidados nos anos seguintes, e isso requer um maior número de intervenções do professor − o que acabou prejudicado pela suspensão das aulas presenciais.
A outra pesquisa que também mostrou perdas de aprendizagem na rede estadual paulista baseou-se nas notas dos boletins escolares e de testes padronizados de 2019 e 2020, entre outros registros administrativos. Tendo em vista as notas médias esperadas em um ano sem pandemia, isto é, caso o ensino presencial não tivesse sido suspenso, a pesquisa constatou queda de 72,5% da aprendizagem entre alunos do 6º ano do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio, em 2020. O estudo é resultado de parceria entre a Secretaria de Educação paulista e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). A pesquisa revelou ainda que o risco de abandono escolar durante o período de escolas fechadas mais do que quadruplicou.
Vale destacar que o problema não é restrito ao Brasil. O Banco Mundial, em relatório lançado neste ano, estimou que haveria em toda a América Latina aumento no percentual de crianças de 10 anos de idade com graves dificuldades de leitura. Para o Brasil, esse crescimento seria de 50% (nível pré-pandemia) para 70%. Estudos em países desenvolvidos também têm registrado perdas, mas, como as escolas do Brasil e da América Latina permaneceram mais tempo fechadas e por atenderem alunos mais vulneráveis, as perdas na região tendem a ser muito maiores. (veja nesta reportagem um resumo desses estudos)
O QUE FAZER?
Diante da constatação de que as perdas, como estimadas, serão significativas, a grande questão é o que pode ser feito para mitigá-las. E, no caso do Ensino Médio, há ainda um elemento adicional: as redes estaduais já estavam diante do enorme desafio de implementar o novo Ensino Médio.
Para Patrícia Monteiro, da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, um dos primeiros passos é justamente obter um diagnóstico do problema, para definir estratégias a serem adotadas.
O estudo do Instituto Unibanco e do Insper indica que seria possível reduzir em até 40% as perdas de aprendizagem dos concluintes neste ano. Para isso, seria necessário pelo menos dobrar o alcance do ensino remoto verificado em 2020, implementar o ensino híbrido no segundo semestre (aulas presenciais e remotas) e adotar ações de aceleração de aprendizagem, priorizando temas essenciais no currículo. Há também a esperança de que o avanço da vacinação, especialmente no caso dos professores, facilite o retorno com segurança às aulas presenciais ao longo do segundo semestre.
A ampliação do ensino remoto nas redes enquanto ainda não for possível a volta segura ao presencial precisará enfrentar o problema da falta de acesso à internet entre os jovens mais vulneráveis. Em 2020, de acordo com a pesquisa Pnad-Covid do IBGE, o grau de engajamento dos alunos de Ensino Médio das redes estaduais ficou em 36%. Ou seja, considerando a carga horária ideal de 25 horas-aula por semana, os estudantes, em média, cumpriram apenas 36% disso. Segundo Paes de Barros, no mínimo é preciso dobrar o engajamento, pois os alunos aprenderão mais à medida que dedicarem mais tempo aos estudos.
O especialista sugere também que as redes de ensino façam uma transição para o ensino híbrido já no segundo semestre letivo de 2021, caso as condições sanitárias permitam tal mudança. Desse modo, observou ele, os estudantes seriam beneficiados pelo ensino presencial, o que, por si só, já é apontado como fator de aumento da aprendizagem.
Por fim, o estudo destaca a importância de ações de recuperação e aceleração da aprendizagem. Inclusive com a otimização dos currículos, isto é, com a definição de conteúdos, habilidades e competências que deverão ser priorizados pelos professores no atual período, tendo em vista que as redes de ensino não têm como dar conta de toda a matéria prevista, em meio às atuais condições de funcionamento na pandemia.
Para implementar programas de aceleração da aprendizagem no ensino médio, as redes terão um desafio a mais: historicamente, o país desenvolveu programas de aceleração voltados para o Ensino Fundamental, especialmente para as séries iniciais. Um caminho para superar isso seria adaptar estratégias já testadas nos anos finais do Ensino Fundamental. Os estados também terão muito a ganhar se adotarem uma postura colaborativa, compartilhando boas experiências e casos de sucesso para que mais redes de ensino consigam mitigar as perdas de aprendizagem.
